Capítulo 7 - Retorno à vida corporal

Prelúdio da volta
330 — Sabem os Espíritos em que época reencarnarão?

— Pressentem-na, como sucede ao cego que se aproxima do fogo. Sabem que têm de retomar um corpo, como sabeis que tendes de morrer um dia, mas ignorando quando isso se dará (166).

— Então a reencarnação é uma necessidade da vida espírita, como a morte o é da vida corporal?

— Certamente; assim é.

331 — Todos os Espíritos se preocupam com a sua reencarnação?

— Muitos há que em tal coisa não pensam, que nem sequer a compreendem. Depende de estarem mais ou menos adiantados. Para alguns, a incerteza em que se acham do futuro que os aguarda constitui punição.

332 — Pode o Espírito apressar ou retardar o momento da sua reencarnação?

— Pode apressá-lo, atraindo-o por um desejo ardente. Pode igualmente distanciá-lo, recuando diante da prova, pois entre os Espíritos também há covardes e indiferentes. Nenhum, porém, assim procede impunemente, visto que sofre por isso, como aquele que recusa o remédio capaz de curá-lo.

333 — Se se considerasse bastante feliz numa condição mediana entre os Espíritos errantes e, conseguintemente, não ambicionasse elevar-se, poderia um Espírito prolongar indefinidamente esse estado?

— Indefinidamente, não. Cedo ou tarde, o Espírito sente a necessidade de progredir. Todos têm que se elevar; esse o destino de todos.

334 — Há predestinação na união da alma com tal ou tal corpo, ou só à última hora é feita a escolha do corpo que ela tomará?

— O Espírito é sempre designado de antemão. Tendo escolhido a prova a que queira submeter-se, pede para encarnar. Ora, Deus, que tudo sabe e vê, já antecipadamente sabia e vira que tal Espírito se uniria a tal corpo.

335 — Cabe ao Espírito a escolha do corpo em que encarne, ou somente a do gênero de vida que lhe sirva de prova?

— Pode também escolher o corpo, porquanto as imperfeições que este apresente serão, para o Espírito, provas que lhe auxiliarão o progresso, se vencer os obstáculos que delas lhe advenham. A escolha, porém, nem sempre depende dele; mas isso não obsta a que peça que seu corpo seja tal ou qual.

— Poderia o Espírito recusar, à última hora, tomar o corpo por ele escolhido?

— Se recusasse, sofreria muito mais do que aquele que não tentasse prova alguma.

336 — Poderia dar-se não haver Espírito que aceitasse encarnar numa criança que houvesse de nascer?

— Deus a isso proveria. Quando uma criança tem que nascer para viver, está predestinada sempre a ter uma alma. Nada se cria sem que à criação presida um desígnio.

337 — Pode a união do Espírito a determinado corpo ser imposta por Deus?

— Pode, do mesmo modo que as diferentes provas, mormente quando ainda o Espírito não está apto a proceder a uma escolha com conhecimento de causa. Por expiação, pode o Espírito ser constrangido a se unir ao corpo de determinada criança que, pelo seu nascimento e pela posição que venha a ocupar no mundo, se lhe torne instrumento de castigo.

338 — Se acontecesse que muitos Espíritos se apresentassem para tomar determinado corpo destinado a nascer, que é o que decidiria sobre a qual deles pertenceria o corpo?

— Muitos podem pedi-lo; mas, em tal caso, Deus é quem julga qual o mais capaz de desempenhar a missão a que a criança se destina. Porém, como eu já disse, o Espírito é designado antes que soe o instante em que haja de unir-se ao corpo.

339 — No momento de encarnar, o Espírito sofre perturbação semelhante à que experimenta ao desencarnar?

— Muito maior e sobretudo mais longa. Pela morte, o Espírito sai da escravidão; pelo nascimento, entra para ela.

340 — É solene para o Espírito o instante da sua encarnação? Pratica ele esse ato considerando-o sério e importante?

— Procede como o viajante que embarca para uma travessia perigosa, e que não sabe se encontrará ou não a morte nas ondas que se decide a afrontar.

O viajante que embarca sabe a que perigo se lança, mas não sabe se naufragará. O mesmo se dá com o Espírito: conhece o gênero das provas a que se submete, mas não sabe se sucumbirá.

Assim como, para o Espírito, a morte do corpo é uma espécie de renascimento, a reencarnação é uma espécie de morte, ou antes, de exílio, de clausura. Ele deixa o mundo dos Espíritos pelo mundo corporal, como o homem deixa este mundo por aquele. Sabe que reencarnará, como o homem sabe que morrerá. Mas, como este com relação à morte, o Espírito só no instante supremo, quando chegou o momento exigido, tem consciência de que vai reencarnar. Então, qual do homem em agonia, dele se apodera a perturbação, que se prolonga até que a nova existência se ache claramente formada. À aproximação do momento de reencarnar, sente uma espécie de agonia.

341 — Na incerteza em que se vê quanto às eventualidades do seu triunfo nas provas que vai suportar na vida, tem o Espírito uma causa de ansiedade antes da sua encarnação?

— De ansiedade bem grande, pois que as provas da sua existência o retardarão ou farão avançar, conforme as suporte.

342 — No momento de reencarnar, o Espírito se acha acompanhado de outros Espíritos seus amigos, que vêm assistir à sua partida do mundo incorpóreo, como vêm recebê-lo quando para lá volta?

— Depende da esfera a que pertença. Se já está nas em que reina a afeição, os Espíritos que o amam acompanham-no até ao último momento, animam e mesmo lhe seguem, muitas vezes, os passos pela vida em fora.

343 — Os Espíritos amigos que nos seguem os passos na vida serão talvez os que vemos em sonho, que nos testemunham afeto e que se nos apresentam com semblantes desconhecidos?

— Muito frequentemente são; eles vos vêm visitar, como ides visitar um encarcerado.

União da alma e do corpo. Aborto
344 — Em que momento a alma se une ao corpo?

— A união começa na concepção, mas só é completa por ocasião do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando até ao instante em que a criança vê a luz. O grito que então solta anuncia que ela se conta no número dos vivos e dos servos de Deus.

345 — É definitiva a união do Espírito com o corpo desde o momento da concepção? Durante esta primeira fase, poderia o Espírito renunciar a habitar o corpo que lhe está destinado?

— É definitiva a união, no sentido de que outro Espírito não poderia substituir o que está designado para aquele corpo. Mas como os laços que ao corpo o prendem são ainda muito fracos, facilmente se rompem. Podem romper-se por vontade do Espírito, se este recua diante da prova que escolheu. Em tal caso, porém, a criança não vinga.

346 — Que faz o Espírito se o corpo que ele escolheu morre antes de se verificar o nascimento?

— Escolhe outro.

— Qual a utilidade dessas mortes prematuras?

— Dão-lhes causa, as mais das vezes, as imperfeições da matéria.

347 — Que utilidade encontrará um Espírito na sua encarnação em um corpo que morre poucos dias depois de nascido?

— O ser não tem então consciência plena da sua existência; a importância da morte é quase nenhuma. Frequentemente é, como já dissemos, uma prova para os pais.

348 — Sabe o Espírito, previamente, que o corpo de sua escolha não tem probabilidade de viver?

— Sabe-o algumas vezes; mas se nessa circunstância reside o motivo de sua escolha, isso significa que está fugindo à prova.

349 — Quando falha por qualquer causa a encarnação de um Espírito, é ela suprida imediatamente por outra existência?

— Nem sempre o é imediatamente. Faz-se mister dar ao Espírito tempo para proceder a nova escolha, a menos que a reencarnação imediata corresponda a anterior determinação.

350 — Uma vez unido ao corpo da criança e quando já lhe não é possível voltar atrás, sucede alguma vez deplorar o Espírito a escolha que fez?

— Perguntas se, como homem, se queixa da vida que tem? Se desejaria que outra fosse ela? Sim. Se se arrepende da escolha que fez? Não, pois não sabe ter sido sua escolha. Depois de encarnado, não pode o Espírito lastimar uma escolha de que não tem consciência. Pode, entretanto, achar pesada demais a carga e considerá-la superior às suas forças. É quando isso acontece que recorre ao suicídio.

351 — No intervalo que medeia da concepção ao nascimento goza o Espírito de todas as suas faculdades?

— Mais ou menos, conforme o ponto desse intervalo em que se ache, porquanto ainda não está encarnado, mas apenas ligado. A partir do instante da concepção, começa o Espírito a ser tomado de perturbação, que o adverte de que lhe soou o momento de começar nova existência corpórea. Essa perturbação cresce de contínuo até ao nascimento. Seu estado, nesse período, é quase idêntico ao de um Espírito encarnado durante o sono. À medida que a hora do nascimento se aproxima, suas ideias se apagam, assim como a lembrança do passado, do qual deixa de ter consciência na condição de homem, logo que entra na vida. Essa lembrança, porém, lhe volta pouco a pouco ao retornar ao estado de Espírito.

352 — Imediatamente ao nascer recobra o Espírito a plenitude das suas faculdades?

— Não, elas se desenvolvem gradualmente com os órgãos. O Espírito se acha numa existência nova; preciso é que aprenda a servir-se dos instrumentos de que dispõe. As ideias lhe voltam pouco a pouco, como a uma pessoa que desperta e se vê em situação diversa da que ocupava na véspera.

353 — Não sendo completa a união do Espírito ao corpo, não estando definitivamente consumada, senão depois do nascimento, poder-se-á considerar o feto como dotado de alma?

— O Espírito que o vai animar existe, de certo modo, fora dele. O feto não tem pois, propriamente falando, uma alma, visto que a encarnação está apenas em via de operar-se. Acha-se, entretanto, ligado à alma que virá a possuir.

354 — Como se explica a vida intrauterina?

— É a da planta que vegeta. A criança vive vida animal. O homem tem a vida vegetal e a vida animal que, pelo seu nascimento, se completam com a vida espiritual.

355 — Há, de fato, como o indica a Ciência, crianças que já no seio materno não são viáveis? Com que fim ocorre isso?

— Frequentemente isso se dá e Deus o permite como prova, quer para os pais, quer para o Espírito da criança.

356 — Entre os natimortos alguns haverá que não tenham sido destinados à encarnação de Espíritos?

— Alguns há, efetivamente, a cujos corpos nunca nenhum Espírito esteve destinado. Nada tinha que se efetuar para eles. Tais crianças então só vêm em função de seus pais.

— Pode chegar a termo de nascimento um ser dessa natureza?

— Algumas vezes; mas não vive.

— Segue-se daí que toda criança que vive após o nascimento tem forçosamente encarnado em si um Espírito?

— Que seria ela, se assim não acontecesse? Não seria um ser humano.

357 — Que consequências tem para o Espírito o aborto?

— É uma existência nula, a ser recomeçada.

358 — Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação?

— Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, porque impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando.

359 — No caso em que o nascimento da criança puser em perigo a vida da mãe, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?

— Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.

360 — Será racional ter-se para com um feto as mesmas atenções que se dispensam ao corpo de uma criança que viveu algum tempo?

— Vede em tudo isso a vontade e a obra de Deus. Não trateis, pois, levianamente coisas que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da criação, algumas vezes incompletas por vontade do Criador? Tudo ocorre segundo os seus desígnios, e ninguém é chamado para julgá-los.

Faculdades morais e intelectuais do homem
361 — Qual a origem das qualidades morais, boas ou más, do homem?

— São as do Espírito nele encarnado. Quanto mais puro é esse Espírito, tanto mais propenso ao bem é o homem.

— Seguir-se-á daí que o homem de bem é a encarnação de um Espírito bom e o homem vicioso a de um Espírito mau?

— Sim, mas dize, antes, que o homem vicioso é a encarnação de um Espírito imperfeito, pois, do contrário, poderias fazer crer na existência de Espíritos sempre maus, a que chamais demônios.

362 — Qual o caráter dos indivíduos em que encarnam Espíritos desassisados e levianos?

— São indivíduos estúrdios, travessos e, algumas vezes, malfazejos.

363 — Têm os Espíritos paixões de que não partilhe a humanidade?

— Não; do contrário vo-las teriam informado.

364 — O mesmo Espírito dá ao homem as qualidades morais e as da inteligência?

— Certamente, e isso em virtude do grau de adiantamento a que se haja elevado. O homem não tem em si dois Espíritos.

365 — Por que é que alguns homens muito inteligentes, o que constitui indício de superioridade, são ao mesmo tempo profundamente viciosos?

— É que não são ainda bastante puros os Espíritos encarnados nesses homens, e cedem à influência de Espíritos piores. O Espírito progride em insensível marcha ascendente, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os sentidos. Durante um período, ele pode se adiantar em ciência; durante outro, em moralidade.

366 — Que se deve pensar da opinião dos que pretendem que as diferentes faculdades intelectuais e morais do homem resultam da encarnação, nele, de outros tantos Espíritos, diferentes entre si, cada um com uma aptidão especial?

— Refletindo, reconhecereis que é absurda. O Espírito tem que ter todas as aptidões. Para progredir, precisa de uma vontade única. Se o homem fosse um amálgama de Espíritos, essa vontade não existiria e ele careceria de individualidade, pois que, por sua morte, todos esses Espíritos seriam como um bando de pássaros escapados da gaiola. Queixa-se, amiúde, o homem de não compreender certas coisas e, no entanto, curioso é ver-se como multiplica as dificuldades, quando tem ao seu alcance uma explicação muito simples e natural. Ainda neste caso tomam o efeito pela causa. Fazem, com relação à criatura humana, o que, com relação a Deus, faziam os pagãos, que acreditavam em tantos deuses quantos eram os fenômenos no universo, se bem que, mesmo entre eles, as pessoas sensatas apenas viam em tais fenômenos efeitos provindos de um Deus único.

O mundo físico e o mundo moral nos oferecem, a este respeito, vários pontos de comparação. Enquanto se detiveram na aparência dos fenômenos, os homens acreditaram fosse múltipla a matéria. Hoje, compreende-se ser bem possível que tão variados fenômenos consistam apenas em modificações da matéria elementar única. As diversas faculdades são manifestações de uma mesma causa, a alma, ou Espírito encarnado, e não de muitas almas, exatamente como diferentes sons do órgão, os quais procedem todos do mesmo ar e não de tantas espécies de ar, quantos os sons. De semelhante sistema decorreria que, quando um homem perde ou adquire certas aptidões, certos pendores, isso significaria que outros tantos Espíritos teriam vindo habitá-lo ou o teriam deixado, o que o tornaria um ser múltiplo, sem individualidade e, conseguintemente, sem responsabilidade. Acresce que o contradizem numerosíssimos exemplos de manifestações de Espíritos, em que estes provam suas personalidades e identidade.

Influência do organismo
367 — Unindo-se ao corpo, o Espírito se identifica com a matéria?

— A matéria é apenas o envoltório do Espírito, como o vestuário o é do corpo. Unindo-se a este, o Espírito conserva os atributos da natureza espiritual.

368 — Após sua união com o corpo exerce o Espírito suas faculdades com liberdade plena?

— O exercício das faculdades depende dos órgãos que lhes servem de instrumento. A grosseria da matéria as enfraquece.

— Assim, o envoltório material é obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro opaco o é à livre irradiação da luz?

— É, como vidro muito opaco.

Pode-se também comparar a ação que a matéria grosseira exerce sobre o Espírito à de um charco lodoso sobre um corpo nele mergulhado, ao qual tira a liberdade dos movimentos.

369 — O livre exercício das faculdades da alma está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?

— Os órgãos são os instrumentos da manifestação das faculdades da alma, manifestação que se acha subordinada ao desenvolvimento e ao grau de perfeição dos órgãos, como a excelência de um trabalho o está à da ferramenta própria à sua execução.

370 — Da influência dos órgãos se pode inferir a existência de uma relação entre o desenvolvimento dos do cérebro e o das faculdades morais e intelectuais?

— Não confundais o efeito com a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora, não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.

— Dever-se-á deduzir daí que a diversidade das aptidões entre os homens deriva unicamente do estado do Espírito?

— O termo unicamente não exprime com toda a exatidão o que ocorre. O princípio dessa diversidade reside nas qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos adiantado. Cumpre, porém, se leve em conta a influência da matéria, que mais ou menos lhe cerceia o exercício de suas faculdades.

Encarnado, traz o Espírito certas predisposições e, se se admitir que a cada uma corresponda no cérebro um órgão, o desenvolvimento desses órgãos será efeito e não causa. Se nos órgãos estivesse o princípio das faculdades, o homem seria máquina sem livre-arbítrio e sem a responsabilidade de seus atos. Forçoso então seria admitir-se que os maiores gênios, cientistas, poetas, artistas, só o são porque o acaso lhes deu órgãos especiais, donde se seguiria que, sem esses órgãos, não teriam sido gênios e que, assim, o maior dos imbecis teria podido ser um Newton, um Vergílio, ou um Rafael, desde que de certos órgãos se achassem providos. Ainda mais absurda se mostra semelhante hipótese, se a aplicarmos às qualidades morais. Efetivamente, segundo esse sistema, um Vicente de Paulo, se a natureza o dotara de tal ou tal órgão, teria podido ser um celerado e o maior dos celerados não precisaria senão de um certo órgão para ser um Vicente de Paulo. Admita-se, ao contrário, que os órgãos especiais, dado existam, são consequentes, que se desenvolvem por efeito do exercício da faculdade, como os músculos por efeito do movimento, e a nenhuma conclusão irracional se chegará. Sirvamo-nos de uma comparação trivial, não obstante verdadeira. Por alguns sinais fisionômicos se reconhece que um homem tem o vício da embriaguez. Serão esses sinais que fazem dele um ébrio, ou será a ebriedade que nele imprime aqueles sinais? Pode dizer-se que os órgãos recebem o cunho das faculdades.

Capítulo 8 - Emancipação da alma