Capítulo 2 - Elementos gerais do Universo

Conhecimento do princípio das coisas
17 — É dado ao ser humano conhecer o princípio das coisas?

— Não. Deus não permite que tudo seja revelado ao ser humano neste mundo.

18 — O ser humano um dia penetrará o mistério das coisas que lhe estão ocultas?

— O véu se levanta diante de seus olhos à medida que ele se aprimora; mas, para compreender certas coisas, ainda lhe faltam faculdades que não possui.

19 — O ser humano não pode, por meio das investigações científicas, penetrar alguns dos segredos da natureza?

— A ciência lhe foi dada para seu progresso em todos os aspectos; no entanto, ele não pode ultrapassar os limites que Deus estabeleceu.

Quanto mais o ser humano consegue penetrar nesses mistérios, maior deve ser sua admiração pelo poder e pela sabedoria do Criador. No entanto, seja por orgulho, seja por fragilidade, sua própria inteligência muitas vezes o engana. Ele constrói sistemas sobre sistemas, e cada dia lhe mostra quantos erros tomou por verdades e quantas verdades rejeitou como erros. São decepções sucessivas para o seu orgulho.

20 — É dado ao ser humano receber, sem recorrer às investigações científicas, comunicações de ordem mais elevada sobre aquilo que escapa aos sentidos?

— Sim. Se considerar útil, Deus pode revelar o que a ciência não é capaz de ensinar.

Por meio dessas comunicações, o ser humano adquire, dentro de certos limites, conhecimento sobre seu passado e seu futuro.

Espírito e matéria
21 — A matéria existe desde toda a eternidade, como Deus, ou foi criada por ele em determinado momento?

— Somente Deus o sabe. Há, porém, algo que a razão deve indicar: Deus, modelo de amor e caridade, nunca esteve inativo. Por mais distante que se imagine o início de sua ação, é possível concebê-lo ocioso por um único instante?

22 — Geralmente se define a matéria como aquilo que tem extensão, que impressiona os sentidos e que é impenetrável. Essas definições são corretas?

— Do ponto de vista de vocês, sim, porque se referem apenas ao que conhecem. No entanto, a matéria existe em estados que vocês ignoram. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil que não cause nenhuma impressão aos sentidos. Ainda assim, continua sendo matéria. Para vocês, porém, ela não seria.

— Que definição podem dar da matéria?

— A matéria é o elo que liga o espírito; é o instrumento que o serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, ele exerce sua ação.

Desse ponto de vista, pode-se dizer que a matéria é o agente, o intermediário por meio do qual e sobre o qual o espírito atua.

23 — O que é o espírito?

— O princípio inteligente do universo.

— Qual é a natureza íntima do espírito?

— Não é fácil analisá-lo com a linguagem de vocês. Para vocês, ele nada é, por não ser palpável. Para nós, no entanto, ele é algo. Fiquem sabendo: o nada não existe.

24 — O espírito é sinônimo de inteligência?

— A inteligência é um atributo essencial do espírito. Ambos, porém, se confundem em um princípio comum, de modo que, para vocês, são a mesma coisa.

25 — O espírito é independente da matéria ou apenas uma propriedade dela, como as cores são propriedades da luz e o som é do ar?

— São distintos um do outro; no entanto, a união entre espírito e matéria é necessária para que a matéria possa expressar inteligência.

— Essa união também é necessária para a manifestação do espírito? (Aqui entendemos por espírito o princípio da inteligência, abstraindo as individualidades que recebem esse nome.)

— Para vocês, sim, porque não possuem um organismo capaz de perceber o espírito sem a matéria. Seus sentidos não foram feitos para isso.

26 — Pode-se conceber o espírito sem a matéria e a matéria sem o espírito?

— Sem dúvida, isso é possível pelo pensamento.

27 — Existem, então, dois elementos gerais do universo: a matéria e o espírito?

— Sim. E acima de tudo está Deus, o criador, o pai de todas as coisas. Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal. Ao elemento material, porém, é preciso acrescentar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita, grosseira demais para que o espírito possa agir diretamente sobre ela. Embora, sob certo ponto de vista, seja possível classificá-lo como matéria, ele se distingue desta por propriedades especiais. Se o fluido universal fosse simplesmente matéria, não haveria razão para que o espírito também não o fosse. Ele se encontra entre o espírito e a matéria: é fluido, assim como a matéria é matéria, e é suscetível, por suas inúmeras combinações com esta e sob a ação do espírito, de produzir a infinita variedade das coisas, das quais vocês conhecem apenas uma parte mínima. Esse fluido universal, também chamado primitivo ou elementar, é o agente de que o espírito se utiliza. Sem ele, a matéria permaneceria em constante divisão e jamais adquiriria as propriedades que a gravidade lhe confere.

— Esse fluido é o que chamamos de eletricidade?

— Dissemos que ele é suscetível de inúmeras combinações. O que vocês chamam de fluido elétrico ou fluido magnético são modificações do fluido universal, que é, na verdade, uma forma de matéria mais aperfeiçoada, mais sutil, e que pode ser considerada independente.

28 — Já que o espírito é, em si, algo real, não seria mais exato e menos sujeito a confusão chamar os dois elementos gerais de matéria inerte e matéria inteligente?

— As palavras pouco nos importam. Cabe a vocês organizar a linguagem de modo que consigam se entender. A maioria das controvérsias surge porque não há entendimento sobre os termos utilizados, já que a linguagem de vocês é incompleta para expressar aquilo que não atinge diretamente os sentidos.

Um fato evidente se impõe a todas as hipóteses: vemos matéria sem inteligência e vemos um princípio inteligente independente da matéria. A origem e a ligação entre esses dois elementos nos são desconhecidas. Não sabemos se provêm de uma única fonte, se existem pontos de contato necessários entre eles, se a inteligência tem existência própria ou se é apenas uma propriedade ou efeito, ou ainda se, como pensam alguns, é uma emanação da Divindade. Ignoramos tudo isso. Eles se apresentam a nós como distintos, e por isso os admitimos como os dois princípios constitutivos do universo. Acima de tudo, vemos uma inteligência que domina todas as outras, que as governa e que se distingue por atributos essenciais. A essa inteligência suprema chamamos Deus.

Propriedades da matéria
29 — O peso é uma característica essencial da matéria?

— Da matéria como vocês a percebem, sim; mas não da matéria considerada como fluido universal. A matéria etérea e sutil que compõe esse fluido não possui peso perceptível para vocês. Ainda assim, ela é o princípio da matéria densa.

A gravidade é uma propriedade relativa. Fora das esferas de atração dos mundos, não existe peso, assim como não existe alto nem baixo.

30 — A matéria é formada por um único elemento ou por vários?

— Por um único elemento primitivo. Os corpos que vocês consideram simples não são verdadeiros elementos, mas transformações da matéria primitiva.

31 — De onde se originam as diversas propriedades da matéria?

— São modificações que as moléculas elementares sofrem em consequência de sua união e de determinadas circunstâncias.

32 — De acordo com isso, os sabores, odores, cores, sons e as qualidades venenosas ou benéficas dos corpos seriam apenas modificações de uma única substância primitiva?

— Sem dúvida. Elas existem apenas em função da disposição dos órgãos destinados a percebê-las.

A prova disso está no fato de que nem todos percebem as qualidades dos corpos da mesma forma: o que agrada ao gosto de uma pessoa pode ser desagradável a outra; o que alguns veem como azul, outros veem como vermelho; o que é veneno para uns pode ser inofensivo ou benéfico para outros.

33 — A mesma matéria elementar pode experimentar todas as modificações e adquirir todas as propriedades?

— Sim. É isso que se deve entender quando dizemos que tudo está em tudo.

— Essa teoria não dá razão aos que admitem na matéria apenas duas propriedades essenciais: força e movimento, considerando todas as demais como efeitos secundários que variam conforme a intensidade da força e a direção do movimento?

— Essa opinião é correta. Falta apenas acrescentar que isso também depende da disposição das moléculas, como se observa, por exemplo, em um corpo opaco que pode tornar-se transparente e vice-versa.

O oxigênio, o hidrogênio, o nitrogênio, o carbono e todos os corpos considerados simples são apenas modificações de uma substância primitiva. Como ainda não somos capazes de remontar a essa matéria primária, exceto pelo pensamento, esses corpos são, para nós, verdadeiros elementos e podem ser considerados como tais, até que novos conhecimentos surjam.

Esse princípio explica um fenômeno conhecido dos magnetizadores, que consiste em conferir, pela ação da vontade, a uma substância qualquer — como a água, por exemplo — propriedades muito diferentes, como um sabor específico ou até qualidades ativas de outras substâncias. Se existe apenas um elemento primitivo e se as propriedades dos diferentes corpos são apenas modificações desse elemento, então até a substância mais inofensiva contém o mesmo princípio da mais nociva. Assim, a água, composta por uma parte de oxigênio e duas de hidrogênio, torna-se corrosiva quando se duplica a proporção de oxigênio. Transformação semelhante pode ocorrer por meio da ação magnética dirigida pela vontade.

34 — As moléculas têm forma determinada?

— Certamente. As moléculas possuem uma forma, embora vocês não sejam capazes de percebê-la.

— Essa forma é constante ou variável?

— Constante nas moléculas elementares primitivas; variável nas moléculas secundárias, que nada mais são do que aglomerações das primeiras. Aquilo que vocês chamam de molécula ainda está muito distante da molécula elementar.

Espaço universal
35 — O espaço universal é infinito ou limitado?

— Infinito. Se fosse limitado, o que haveria além de seus limites? Isso confunde a razão, eu sei; ainda assim, a razão indica que não pode ser de outra forma. O mesmo ocorre com o infinito em todas as coisas. Não é dentro da pequena esfera em que vocês se encontram que conseguirão compreendê-lo.

Se supusermos um limite para o espaço, por mais distante que a imaginação o coloque, a razão indica que além desse limite algo existe, e assim sucessivamente, até o infinito. Mesmo que esse algo fosse o vazio absoluto, ainda assim seria espaço.

36 — O vácuo absoluto existe em algum ponto do espaço universal?

— Não. Não existe vácuo. Aquilo que parece vazio está ocupado por matéria que escapa aos sentidos e aos instrumentos de vocês.

Capítulo 3 - Criação